Pra iniciar, trago uma pequena poesia de Paulo Leminski, uma referência, não só na literatura, mas como alguém que viveu o seu tempo intensamente.
"um bom poema
leva anos
cinco jogando bola, mais cinco estudando sânscrito, seis carregando pedra, nove namorando a vizinha, sete levando porrada, quatro andando sozinho,
três mudando de cidade, dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto"
Esse poema me faz pensar em construção, que é o nosso trabalho no procedimento colaborativo. Ele fala de um bom poema, em metáfora para a construção de uma relação afetiva, de uma vida mesmo.
Ele fala, da maneira dele, do tempo das experiências, dos erros e acertos, que a gente vai vivendo nessa construção. E trazendo essa reflexão pra nossa realidade do procedimento colaborativo, eu penso na relação entre o tempo e essa construção, porque a gente se propõe a esse trabalho pra ajudar os clientes a construir uma relação uma NOVA relação em outras bases, porque aquela relação anterior, acabou, não volta mais, daquela forma, com aquelas sensações.
E a gente imagina isso no Judiciário… como pensar nessa relação de tempo e construção em um ambiente que NÃO permite às partes construir nada ao longo de um processo. Elas ficam alheias ao processo, ficam à mercê do pensamento dos advogados e do juiz, recebendo só as nossas informações, que muitas vezes são passadas de uma maneira que só aumenta a raiva, a frustração, e instigam aquele desejo de vingança...
Aquela história do advogado que cuida de tudo… e não gosta muito quando o cliente liga pra falar do processo.
O tempo do Judiciário é o tempo da burocracia, dos prazos, das notificações que podem levar meses, né?
E quando chega a hora DA PARTE, finalmente, falar, no depoimento pessoal, ela tá naquele ambiente criado pro conflito, pensado em hierarquia com promotor de justiça, juiz, num ambiente frio, nada acolhedor, bem diferente de uma conversa em um ambiente seguro, dentro de um compromisso de não litigância, de confidencialidade.
Voltado pro tempo das novas experiências, pra descobertas ao longo das reuniões… que vão guiando a construção de uma relação inédita… um tempo de reencontro mesmo, pra que as partes possam imaginar o futuro.
Ou como diz o Leminski no final do poema, pra construir a eternidade juntos.
Claro que dentro dessa construção a gente deve ter algumas recaídas, momentos de não sair do lugar, que os clientes talvez não consigam avançar nessa fase de transição.
E eu acho que essa é a noção de tempo mais elementar do processo colaborativo. É o tempo de maturação do cliente. É a própria razão de ser do procedimento.
A gente tá aqui pra oportunizar ao cliente tomar as suas decisões dentro do seu tempo, dentro da sua possibilidade e considerando o estágio que cada parte tá no seu processo de luto.
Se a gente tiver um pouco de atenção, fica bem visível a mudança do cliente ao longo do tempo… daquela primeira reunião, que tudo ainda é raiva, é surpresa, é desconhecimento.
E depois, com o passar do tempo a gente vê que o entendimento vai mudando, o ânimo vai serenando.
E a gente entende porque o acordo não saiu antes. Não era o momento, não tinha como sair mesmo.
E se saísse, provavelmente seria ruim. Não seria um acordo sustentável, como a gente vê muitos acordos feitos em audiência, e depois de um tempo o cliente te liga pra dizer que o acordo não tá sendo cumprido.
Porque as partes não tiveram as experiências que o processo colaborativo permite.
Não tiveram tempo de construir nada!
Então eu acho mesmo que faz parte do nosso trabalho (eu tô falando aqui da área de família, que eu venho atuando nos últimos anos) investigar um pouco mais, ter um pouco mais de interesse na repercussão do nosso trabalho na vida daquela pessoa.
E talvez até entrar com a ação judicial, se o cliente realmente quiser, mas talvez não entrar arrombando tudo, já destruindo o outro lado, acabando com qualquer chance de conversa.
Pode ser algo mais pensado elaborado de forma objetiva, pra que ao longo do processo as partes possam ainda, com a transformação dos sentimentos, querer conversar.
Mas eu acho que o ideal mesmo é dar mais tempo pra aquela pessoa tomar uma decisão mais responsável, com mais informação e com menos pressão.
E é isso que o procedimento colaborativo oferece.
A Olívia escreveu num artigo, que no procedimento colaborativo, o tempo está a serviço das pessoas e não o contrário.
No processo judicial, nós é que estamos a serviço do tempo do Judiciário, prontos ou não, é um juiz que determina quando a parte vai lá prestar o seu depoimento, quando você vai lá conversar com uma psicóloga, e quando os seus filhos também vão fazer isso.
Dentro de um ambiente colaborativo, a ideia é que nós podemos fazer tudo o que se faz em um processo, mas NÃO quando nos é imposto.
O tempo pra realizar cada ato, o período necessário entre os atos e até o tempo que vai durar uma reunião são pactuados entre os envolvidos. Há um controle absoluto do tempo.
As partes se tornam os senhores do tempo, como Cronos.
Eles são os protagonistas, inclusive para decidir o tempo de se retirar do procedimento.
Mas e o que fazer quando uma das partes está mais acelerada que a outra, está mais resolvida que a outra e começa a reclamar da demora do procedimento?
Quando eu penso nessa situação o que me vem a cabeça é fazer o que eu li nesse livro novo da Pauline,
“Primeiro, não faça mal”.
Pra isso, a gente precisa se afastar um pouco da ansiedade do cliente e dá espaço pra que as psicólogas entrem nisso pra talvez puxar aquele que ainda não consegue avançar, talvez fazê-lo entender que é necessário fazer escolhas e tomar decisões.
E de outro lado talvez acalmar um pouco o mais apressado, talvez fazê-lo entender que faz parte do procedimento o respeito AO TEMPO do outro. E se a demora traz efeitos práticos, como a desvalorização de um bem ou uma dificuldade com os filhos, a gente tem a possibilidade de fazer acordos provisórios, como a gente já conversou aqui STU.
Então, é a estruturação do procedimento que nos salva nesse momento de crise. Eu aprendi isso na semana passada com as minhas professoras, que é fundamental manter a higidez do procedimento, mesmo com alguma pressão de uma parte ou outra.
A estrutura tem que se manter porque é isso que vai dar segurança pra todos continuarem.
Se pra satisfazer a ansiedade de uma das partes, a gente começa a fazer reuniões sem pauta, sem respeitar a programação já planejada, sem respeitar o que está no Termo de Participação, o procedimento se quebra e aquele ambiente de segurança se perde.
E é esse procedimento bem organizado e o trabalho multidisciplinar que nos afastam, e muito, de uma DR no almoço de família, ou do famoso “Isso eu já faço no meu escritório…”
Então mantemos tudo de pé e entendemos que a duração do procedimento, de cada reunião, e a formulação de um cronograma de trabalho, têm a ver com a complexidade do tema, com a urgência de certos assuntos e principalmente com o tempo de cada um.
As partes são Cronos, mas dominados por Kairós. Porque no procedimento colaborativo o determinante é a qualidade do tempo. É o momento oportuno que manda no encontro da solução. A gente tem que construir esse momento oportuno com as experimentações dentro do procedimento,
Como o Leminski constrói uma boa poesia com as experiências, que é caminhando juntos.
Mas além desse tempo do cliente, a gente tem outros aspectos do tempo que são importantes pro procedimento colaborativo.
Como a qualidade do tempo do advogado em comparação com o tempo que a gente perde num processo judicial, só com questões processuais ou de cartório mesmo.
Tem também o tempo de avaliação posterior do acordo, de acompanhamento do acordo que foi assinado.
A gente pode também monitorar esse acordo até que ele fique natural pra aquela família.
Mas eu deixo esses, e outros aspectos do tempo, pra incluir todos na conversa.
Obrigado.
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